Transformações na sociedade portuguesa e integração na CEE |
English translation |
By Aurízia Anica of
Escola Superior de Educação
da Universidade do Algarve - Faro, PORTUGAL,
1997
Contribution to the
EDUVINET "European
Identity" subject
1. O que esperavam os portugueses da integração na CEE?
No dia 12 de Junho de 1985, na cerimónia da assinatura da Acta Final
da adesão de Portugal (e Espanha) à Comunidade Económica
Europeia, realizada no Mosteiro dos Jerónimos, o primeiro ministro, Mário
Soares, afirmou que a adesão à CEE representava para Portugal uma
opção fundamental para um futuro de progresso e de modernidade.
Esta opção apresentava-se-lhe como a consequência natural
dos processos de descolonização e de democratização
permitidos pela Revolução de 25 de Abril de 1974. No mesmo dia, o
presidente da República, Ramalho Eanes, considerou que a integração
comportava factores de insegurança e risco mas, simultaneamente,
era uma oportunidade de mudança. Estas interpretações
do significado da adesão traduziam não só o ponto de vista
da maior parte da classe política do momento, mas também o da
maioria da população que os mais críticos, ausentes da
cerimónia do Mosteiro dos Jerónimos, afirmavam ser desconhecedora
ou estar alheada do moroso processo de negociação - iniciado oito
anos antes - e das suas consequências. As críticas mais moderadas
provinham da Confederação dos Industriais Portugueses que
discordava da forma como o processo de adesão havia sido conduzido; as
mais severas tinham origem no Partido Comunista Português e na
Intersindical que não podiam aderir, por motivos de ordem ideológica
e histórica, a um projecto de economia de mercado.
Fechado o ciclo do
império, com a transferência dos poderes na Guiné e Cabo
Verde (1974), S. Tomé e Príncipe (1975), Moçambique (1975)
e Angola (1975); encerrado o período revolucionário, com a aprovação
da Constituição de 1976, na qual se definia a República
Portuguesa como um Estado democrático, pluralista, em fase de transição
para o socialismo - fórmula que deixa transparecer o consenso político-partidário
possível no momento - urgia ultrapassar a crise de identidade entretanto
gerada por tão profundas e rápidas mudanças e,
simultaneamente, criar as condições para a recuperação
do tempo perdido pelo estatismo proteccionista e colonial, anterior ao 25 de
Abril e, principalmente, pelo estatismo colectivista e revolucionário que
se lhe seguiu. De facto, o ataque à propriedade privada nos vários
sectores económicos (nacionalizações, reforma agrária
e controlo operário) e a consequente burocratização da
economia; as lutas sociais e as políticas de redistribuição
do rendimento e da riqueza a elas ligadas; a fuga de capitais e o
desinvestimento; todos estes aspectos, que caracterizaram a conjuntura interna
nos anos de 74-75, tinham vindo a agravar as consequências de uma
conjuntura económica internacional de crise, desencadeada a partir do
final de 1973. Em 1975, o produto interno bruto (PIB) diminui (-4,3%), as
exportações e as importações decrescem (-14,1% e
-22,7%, respectivamente), também decrescem, acentuadamente, os valores
relativos ao comércio com as ex-colónias, às remessas dos
emigrantes, ao turismo e à produção agrícola. O
aumento do défice do Orçamento do Estado e do desemprego podem
juntar-se aos anteriores indícios de uma crise, que só não
teve maiores proporções porque foi acompanhada de um aumento do
consumo privado dos beneficiários das políticas sociais entretanto
concretizadas. Apesar da crise, os salários reais cresceram 12% em 1974 e
9% em 1975.
O pedido de adesão à CEE, feito pelo
primeiro-ministro do I Governo Constitucional, em 28-3-77, deve ser interpretado
no contexto da procura de soluções para a crise conjuntural atrás
referida e para as insuficiências estruturais da economia portuguesa (a
estagnação da agricultura e a especialização das
exportações de produtos de indústrias tradicionais). Aliás,
convém recordar que já em Outubro de 1975, a Comunidade pusera à
disposição de Portugal um avultado empréstimo, renegociado
no ano seguinte para que abrangesse não só a área do comércio
mas, também, a da cooperação e a da mão-de-obra. De
resto, o Estado Novo (1933-74) tinha vindo, forçado pelas circunstâncias,
a privilegiar um relacionamento económico com a Europa, a partir dos anos
60, quando a opção industrializadora prosseguida desde a década
anterior exigiu a substituição do princípio da integração
económica do império, pelo da integração
económica no espaço europeu. Portugal, que beneficiou da 2ª
fase do Plano Marshall (1948) e foi membro fundador da OECE (1948) e da EFTA
(1960), acabou por celebrar um acordo com a CEE, em 1973, onde já se
encontravam os seus principais parceiros comerciais europeus: a Inglaterra e a
Alemanha. Por conseguinte, a adesão à CEE, em 1985, não
significou o regresso à Europa, mas a plena identificação
com um projecto de sociedade aberta, democrática e de bem-estar que já
vinha sendo desejado por cada vez maior número de portugueses,
especialmente desde o final da década de 50.
A fase das negociações
para a adesão de Portugal à CEE, de 1977 a 1985, pode ser dividida
do ponto de vista económico, em 4 períodos: o 1º de normalização,
em 1976-77, em que se procurou restabelecer as condições de
funcionamento das empresas, a confiança dos empresários e o
controlo do défice externo; o 2º de viragem, em 1978-79, em
que se acentuou a tendência restritiva anterior, recorrendo-se a avultados
empréstimos estrangeiros e ao 1º acordo com o FMI, com vista ao
equilíbrio económico externo; o 3º de retorno às
dificuldades no equilíbrio externo, em 1980-83, em consequência
de uma política expansionista interna associada à crise
internacional; o 4º de estabilização económica,
de 1983-84, com o 2º acordo com o FMI, através do qual se procurou
um reequilibro das contas externas. No momento em que os portugueses aderiram
formalmente à CEE, ainda se faziam sentir os custos do sucesso deste último
programa do FMI: o desemprego e a inflação tinham aumentado; os
salários reais e o consumo privado tinham decrescido. Neste contexto,
compreende-se que até os mais entusiastas da adesão não
tivessem escondido as suas dúvidas quanto à capacidade e à
vontade dos portugueses aplicarem adequadamente os fundos postos à
disposição pela CEE. As políticas fortemente restritivas do
poder de compra dos trabalhadores, que viram o seu poder aquisitivo severamente
diminuído de 1976 a 1979 e de 1982-84, provocaram uma contestação
menos intensa do que seria de esperar. Tal facto tem conduzido os cientistas
sociais a realçar o papel da economia subterrânea, das
remessas dos emigrantes e da agricultura familiar na criação de um
rendimento complementar dos salários, rendimento que tem permitido um
consumo acrescido e a moderação dos conflitos sociais. A modernização
socio-económica exige respostas que colmatem as formas de solidariedade
em extinção e as insuficiências de um Estado Providência
recente, pobre e, ele próprio, a precisar de racionalizar as despesas.
A
conjuntura de expansão económica que se prolongou mais em Portugal
do que na Europa, abarcando o quinquénio de 1986 a 1992, os processos de
liberalização e de reprivatizações desenvolvidos com
vista a adaptar a economia portuguesa às normas comunitárias e o
crescimento dos fluxos financeiros provenientes da UE (crescimento limitado
pelas exigências de controle das despesas do Estado, geralmente
comparticipante nos projectos financiados pela UE), aceleraram e aprofundaram as
transformações económicas e sociais já em curso,
exigindo respostas para as novas necessidades e para os novos problemas, mas não
deixando de criar condições para a persistência do optimismo
realista que predomina, ainda hoje, na sociedade portuguesa, face à
integração europeia.
2. Como se tem transformado a sociedade portuguesa?
As transformações sociais das últimas décadas
revelam uma tendência para o esbatimento das clivagens entre o Norte e o
Sul, o urbano e o rural, clivagens que os cientistas sociais vinham a
identificar como características da sociedade portuguesa, até à
década de 60. Os dualismos espaciais tendem a dar lugar aos dualismos
socio-económicos, segundo uns, ou á uniformização,
segundo outros. Mas é preciso não esquecer as continuidades que
persistem ao lado das inovações.
Veja-se, em primeiro lugar, a
população. No continente, a população era de 8,9
milhões em 1960, 8,7 milhões em 1970, 9,8 milhões em 1981 e
de 9,9 milhões de habitantes em 1991. A taxa de crescimento anual médio
passou de -0,33% na década de 60, para 1,35% na década de 70,
descendo para 0,03% na década de 80. O crescimento negativo da população,
na década de 60, deve-se em grande medida ao intenso fluxo emigratório
dos portugueses para a Europa, principalmente para a França. Na década
de 70, a emigração estancou e começa a verificar-se o fenómeno
inverso: entraram em Portugal mais de meio milhão de pessoas provenientes
das ex-colónias, as quais foi necessário integrar social e
profissionalmente. Portugal passa, a partir de então, a ser um pólo
de atracção para imigrantes, principalmente provenientes dos países
africanos de língua portuguesa, mas também originários do
Brasil e de alguns países europeus. Na década de oitenta, o
crescimento populacional estagna em consequência do recomeço
moderado da emigração - compensada pelo fluxo imigratório -
e da acentuação do declínio da natalidade (em 1970, a
descendência média era de 3,0 filhos por mulher, em 1991 era de
1,6). As mulheres controlam cada vez mais eficazmente a natalidade e fazem-no de
uma forma bastante homogénea no espaço continental. Compensando em
parte os efeitos desta tendência, verifica-se uma queda drástica
(87%) da taxa de mortalidade infantil desde os anos 60. A generalização
da vacinação das crianças e da cobertura sanitária e
educativa do país, a melhoria da alimentação e dos cuidados
de higiene explicam esta mudança a que também não é
alheia a difusão de uma atitude de valorização da criança.
A esperança de vida à nascença aumentou para as mulheres
(mais 11,1 anos) e para os homens (mais 9,6 anos), bem como a esperança
de vida aos 65 anos (mais 3,3 anos para as mulheres e 1,4 para os homens). Em
consequência, a população portuguesa sofreu um duplo
envelhecimento nas últimas décadas. As famílias compostas
por 1 e 2 indivíduos que representavam 30,3% em 1960, passaram para
39,1%, enquanto se reduzia a percentagem das famílias com mais de cinco
elementos. Novas formas de relacionamento entre os sexos, a generalização
da entrada das mulheres no mercado de trabalho, o aumento dos níveis de
escolarização e a laicização da sociedade podem também
justificar a generalização do casamento não católico,
o aumento dos divórcios e dos filhos tidos fora do casamento, alterações
que têm acompanhado as restantes mudanças da estrutura social.
Observando
a distribuição da população no espaço,
verifica-se a acentuação da tendência para a litoralização
e para a urbanização da população, o mesmo é
dizer, para a despovoamento dos campos, particularmente os do interior. Na faixa
litoral do país concentra-se 80% da população, cabendo às
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto cerca de 40%, enquanto algumas
regiões do país se desertificam como no casos do Norte e Centro
interior, do Alentejo e da serra algarvia.
A aceleração das
transformações da estrutura social portuguesa tem vindo a ser
remetida para os anos 60, mas esta afirmação não obsta a
que se distingam ritmos de mudança diversos ao longo do período
considerado. Seleccionam-se e apresentam-se, de seguida, apenas alguns dos
aspectos relevantes dessas transformações. Alterou-se
profundamente a distribuição da população activa por
sectores de actividade económica: enquanto desceu a percentagem dos
activos no sector primário (de 43,6% em 1960, para 19,7% em 1981 e 11,6%
em 1992), foi aumentando a do sector terciário (de 27,5% para 41,6% e
55,2%, nos mesmos anos). A fuga do sector primário é empreendida
principalmente pelos homens mais jovens, facto que explica, por um lado, a feminização
do sector e, por outro, a mais elevada taxa de analfabetismo que aí se
verifica relativamente aos outros sectores económicos. No sector secundário,
a percentagem de activos vai aumentando até aos 38,7% de 1981, mas a tendência
inverte-se, a partir daí. Em consonância com a terciarização
da economia, dá-se a feminização do sector terciário
que absorve os crescentes contingentes de mão-de-obra feminina chegados
ao mercado de trabalho. O número de mulheres com actividade profissional
remunerada mais do que duplicou nos últimos vinte anos e se em alguns
grupos de profissões as mulheres já estão em maioria (como
no dos profissionais intelectuais, científicos e técnicos e no dos
empregados administrativos, do comércio e dos serviços pessoais),
em outros isso ainda não acontece (como, por exemplo, o dos directores e
quadros dirigentes). A feminização da população
estudantil das universidades (em 1992, as mulheres representavam 60% dos
universitários, enquanto em 1960 não ultrapassavam os 29,5%) e a
mais elevada taxa de sucesso das estudantes do sexo feminino apontam para a
acentuação do predomínio feminino em profissões
exigindo níveis de escolaridade elevados. O princípio da igualdade
entre homens e mulheres em todos os domínios consagrado na Constituição
de 1976, veio posteriormente a ser aplicado na legislação específica
sobre o matrimónio (1978), o trabalho (1979), o poder paternal (1995). No
entanto, sabe-se que as práticas sociais podem antecipar-se às
normas jurídicas, segui-las ou adaptar-se-lhes segundo estratégias
diversificadas. E, também neste caso, ainda se está longe da
uniformização das atitudes, dos comportamentos e dos valores. Mas é
um facto que as relações e as representações de género
estão a mudar na sociedade portuguesa. Em estudo recente(1), verificou-se
que os padrões sociais masculinos e femininos têm vindo a evoluir
no sentido de uma parcial homogeneização, na medida em que se
atribuem às mulheres características secundárias
tradicionalmente conferidas aos homens, como a capacidade de trabalho, a inteligência,
a força enquanto aos homens se atribuem características também
secundárias ligadas ao domínio afectivo que, no passado,
pertenciam exclusivamente ao estereótipo feminino. A elevação
da escolaridade obrigatória de 4 para 6 e, mais recentemente, para 9
anos, a massificação do ensino secundário e o alargamento
do universitário, a difusão dos meios de comunicação
de massas, a globalização da economia e da comunicação,
o turismo de massas, o retorno dos migrantes, a integração na CEE
e as mudanças nas práticas sociais daí decorrentes são
poderosos factores de homogeneização de condutas e de valores. É
neste contexto que se pode compreender a tendência para uma relativa
aproximação dos padrões de consumo das famílias
portuguesas, mesmo quando não se verifica idêntica tendência
em matéria de receitas.
A análise dos resultados duma sondagem de opinião realizada em Maio de 1995(2), permite concluir que a maioria dos eleitores portugueses considera não existir alternativa à integração na UE, embora reconheça, por outro lado, que as pescas, a agricultura e o emprego foram prejudicados e os fundos europeus mal aplicados. Em recente inquérito feito às elites política, económica e sindical(3) sobre as representações dos efeitos da adesão à CEE, verifica-se que a esmagadora maioria dos inquiridos valoriza positivamente os primeiros 10 anos de integração europeia. Os efeitos positivos reconhecidos pela maior parte dos inquiridos situam-se nas áreas do consumo, das infraestruturas, da produção (modernização tecnológica em alguns sectores) e dos direitos dos cidadãos. Os efeitos negativos identificados pela maioria dos inquiridos são o aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão social, do trabalho clandestino e das dívidas à segurança social. Parece que o realismo na avaliação do impacto da integração europeia não destruiu o optimismo inicial.
3. Os desafios do presente
Decorrem das linhas de evolução atrás referidas alguns
dos desafios do presente. As preocupações com o equilíbrio
ambiental e com a qualidade de vida exigem uma política de ocupação
do espaço que conduza a um reequilibro tendo em atenção as
novas realidades em construção e as finalidades a alcançar.
Os problemas criados pelo envelhecimento da população, pela
dissolução das solidariedades tradicionais, pelo desenvolvimento
de estruturas familiares até aqui minoritárias e pelos efeitos
perversos do desenvolvimento económico exigem uma redefinição
das políticas sociais do Estado que não contribua para o
surgimento de novas desigualdades ou para o aprofundamento das antigas.
A
maioria dos portugueses está convicta de que a melhor maneira de fazer
face às pressões da globalização é a plena
integração na UE. Por isso, têm sido feitos esforços
no sentido do cumprimento dos critérios de convergência para a
moeda única definidos em Maastricht. O êxito destes esforços
não deve fazer esquecer que, participando numa economia aberta que sofre,
por sua vez, as pressões da globalização, Portugal precisa
de dar resposta às exigências desta dupla inserção.
Neste contexto, continua a ser prioritário o desafio da competitividade
que se liga intimamente a outros dois desafios: o da qualidade e o da
identidade. A competitividade pressupõe modernização tecnológica,
económica e social; a reestruturação da identidade pressupõe
a descoberta de espaços de afirmação na UE e no mundo.
Daqui resulta a necessidade de elevar a qualidade da produção e
dos serviços, o que exige melhor formação inicial e em
serviço, quer para os executantes, quer para as elites. Os centros de
excelência, encarados como centros difusores de dinâmicas de
inovação e qualidade, são cada vez mais associados à
constituição de redes de participações à
escala europeia ou atlântica, na economia, no ensino, na investigação.
Nesta linha, tem vindo a afirmar-se a ideia da importância do regresso
a África, um regresso em que caberia aos portugueses a função
de articulação, no âmbito de projectos compartilhados por
africanos, europeus e americanos. Sublinha-se projectos compartilhados,
o mesmo é dizer, projectos de desenvolvimento baseados no diálogo,
na cooperação e no respeito pelas culturas dos participantes.
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(1) S. Costa, Estereótipo da mulher em Portugal e sua relação com a discriminação da mulher no trabalho, noticiado in Expresso, 01.02.97.
(2) Expresso, 06.05.95. A sondagem foi realizada nos dias 2 e 3 de Maio do mesmo ano.
(3) Expresso, 15.02.97. O estudo é da responsabilidade de Juan Mozzicafreddo.
BIBLIOGRAFIA
Para uma introdução ao tema, podem consultar-se as seguintes obras:
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